“A arquitetura, assim como a filosofia, é algo sobre o qual todos têm alguma ideia do que se trata, mas não sabem definir com clareza”, destaca o Bruno  

Leitura obrigatória

1 - Bruno Canepa XXNatural de Santos, o arquiteto urbanista Bruno Barbieri Canepa conheceu Socorro há quatro anos, quando veio atender seu primeiro cliente daqui, numa aventura bem interessante, conforme descreve em sua entrevista concedida ao Jornal O Município. Confira!

OM – Como chegou a Socorro?

Conheci Socorro há quatro anos, quando vim atender meu primeiro cliente daqui. Foi uma aventura interessante, porque ainda não conhecia a cidade. Resolvi fazer essa viagem de ônibus. Cheguei por volta das 23h30, na antiga rodoviária, e como não havia nenhum taxi disponível e eu estava sem o contato telefônico de nenhum, resolvi caminhar pela cidade, para encontrar um posto de gasolina e pedir informação. Caminhar tarde da noite, em uma quinta-feira, no vazio e no silêncio, foi um ótimo primeiro contato.

Naquela época, eu não tinha intenção de morar em Socorro, mas, por intermédio de ótimas amizades que fiz, logo que cheguei, surgiu uma grande parceria e amizade com o Sérgio Franco, já bastante conhecido pelo envolvimento em importantes projetos, seja em Socorro, seja fora daqui. Por intermédio dele, surgiu a oportunidade de projetar o plano urbanístico do Aeródromo Municipal, com um condomínio em frente à pista.  Aos poucos, de trabalho em trabalho, fui descobrindo uma cidade muito atraente e com pessoas muito interessantes. Os bons contatos, tanto profissionais quanto pessoais, além das qualidades inerentes da cidade, foram fazendo nascer e crescer em mim a vontade de me estabelecer por aqui.

OM – E qual leitura você faz da cidade?

Bem, Socorro possui patrimônios tangíveis e intangíveis. Defino como tangíveis os recursos naturais abundantes, a bela paisagem rural e o patrimônio arquitetônico, mesmo que, infelizmente, ele tenha sofrido uma perda relevante e significativa, no decorrer do tempo. Vejo alguns exemplos, como os das ruas Treze e Marechal Floriano, que ficaram com o casario bastante descaracterizado e uma forte poluição visual.

Vale a pena ressaltar o patrimônio modernista, também. Algumas casas das décadas de 1950 e 1960, o edifício do Fórum e, principalmente, o edifício do Banco do Brasil (antiga Nossa Caixa), que considero como o patrimônio moderno mais relevante da cidade.

Como patrimônio intangível, percebi em Socorro uma grande riqueza humana, no sentido da colaboração e do diálogo. É muito gratificante ver pessoas se organizando em mutirões para a elaboração de eventos da cidade, e também percebo uma fluidez no diálogo sobre assuntos culturais. Vejo o fotógrafo prestigiando o artista plástico, vejo o artista prestigiando o músico, vejo o músico prestigiando o escritor e as questões coletivas são geralmente debatidas. Em Socorro, você pode ver um empresário ser referência em sustentabilidade e acessibilidade, uma ONG fazendo um trabalho ambiental importantíssimo, pessoas envolvidas com o turismo, engajadas em causas interessantes. Enfim, pessoas atuando de maneira brilhante, em diversas áreas. Morei em fazenda, em cidade de pequeno porte, médio porte e também na metrópole de São Paulo. Posso dizer que ainda não havia encontrado um lugar em que houvesse tamanho nível de interação.

OM – Qual o seu posicionamento sobre o patrimônio histórico?

É importante ter uma ideia melhor do que é arquitetura. Penso que, assim como a filosofia, é algo sobre o qual todos têm alguma ideia do que se trata, mas não sabem definir com clareza.

Considero a arquitetura uma intervenção no espaço, onde se refletirá a cultura, a técnica, as condições sociais, econômicas e, por que não, psicológicas e morais de uma determinada sociedade, em um determinado tempo. É nossa “impressão digital” no tempo. É um dos principais aspectos que, num futuro distante, será objeto de estudo, para que uma sociedade, uma cidade, um país, ou até uma civilização seja melhor compreendida. E é importante frisar sobre o determinado tempo, porque a arquitetura deve refletir o tempo em que ela foi concebida e não tempos passados.

Neste sentido, um patrimônio histórico só é patrimônio porque, em uma determinada época, refletia seus aspectos. Qualquer cópia, mesmo com a intenção de homenagem, é um equívoco histórico, uma perda, um anacronismo. Eis a importância da preservação ou do restauro, pois ainda não inventamos um modo de voltar no tempo.

OM – Qual pode ser o principal erro de uma obra?

A falta de planejamento.

OM – Como trabalha essas etapas com os clientes?

O planejamento é fundamental para o gerenciamento de qualquer projeto, independentemente da área de atuação. Na arquitetura, o planejamento da obra começa lá atrás, nas primeiras conversas entre arquiteto e cliente. É dever do arquiteto explicar todas as etapas de projeto, a serem cumpridas antes da obra, começando pelo estudo preliminar, anteprojeto, projetos complementares, projeto executivo, memoriais descritivos etc. De um modo geral, nós, brasileiros, não estamos muito acostumados com planejamento. Assim sendo, o ponto de partida começa com o arquiteto esforçando-se para demonstrar as vantagens de melhor planejamento de custos, de tempo e qualidade de execução. O mercado anda falhando nesse sentido, mas a projeção é otimista. Portanto, o primeiro passo vem da disposição dos arquitetos para a melhoria da prática de mercado e, como efeito, a promoção de uma mudança de mentalidade de seus clientes. Se um cliente acha que não vale a pena investir mais do que 3% dos custos de uma obra em projeto e planejamento, significa que ele ainda não entendeu a importância disso. Cabe aos arquitetos demonstrar.

3 - casa hangar 1 acervo pessoal  XXOM – Qual o conceito/linha de arquitetura que você trabalha? Alguma tendência?

Essa pergunta é excelente, pois me possibilita comentar que tendências não devem ser seguidas, ao se tratar de arquitetura. Posso falar que concentro meus esforços em compreender o contexto da melhor forma possível, para elaborar um projeto. Compreender o contexto é cruzar as informações do local de implantação, entorno, visuais, eixos predominantes, orientação do sol, influências locais/regionais com o programa de necessidades, sua função e o enfoque em quem utilizará o objeto a ser construído. A partir desta leitura, surge o partido arquitetônico.

Posso falar que, de um modo geral, acabo projetando com ênfase na geometria, racionalidade e tecnologia. Ainda considero que a linha reta e os planos cartesianos nos agradam. O homem criou a arquitetura como alternativa ao caos orgânico e perigoso da natureza. Tenho uma opinião pessoal de que os planos e as linhas retas nos acalmam, pois facilitam que nos dimensionemos perante o espaço. Sabermos nosso tamanho em relação a algo. Tentar amenizar um pouco nossa indefinição cósmica. Pode parecer uma crítica ao traço leve e solto de Niemeyer (não me atreveria), mas, a meu ver, sua obra nunca abandonou os planos e a construção geométrica. Um exemplo bom para se comparar é a arquiteta Zaha Hadid. Atrevo-me a dizer que ali, sim, existe algo a que me contraponho, apesar de nossa grande distância em termos de escala de produção.

2 - ambiente de mergulho II XXOM – Em sua opinião, qual o futuro das construções e urbanismo?

O futuro das construções já está marcado pelo avanço tecnológico, tanto nos materiais, quanto no gerenciamento de projeto, pelos softwares e plataformas BIM (Building Information Modeling), além de sustentabilidade e acessibilidade universal. Mas, percebo que o avanço tem sido da ponta para o centro. Da técnica para o conceito, do micro para o macro. De nada adiantam edifícios sustentáveis, se o planejamento urbano ocorrer nos moldes da especulação imobiliária. Ainda precisamos atingir os pontos mais importantes.

OM – Cite alguns projetos realizados e escolha um para descrever o conceito utilizado.

Citarei três, com finalidades bem distintas entre si:

  1. Ambiente artificial para treinamento de mergulho;
  2. Residência-hangar;
  3. Centro Educacional Horizonte.

Escolhi o Centro Educacional Horizonte para descrever o conceito utilizado (confira abaixo).

Canepa Arquitetura
Avenida Brás Leme, 2374, apto 113, Santana, São Paulo
Rua Sebastiao Teixeira Paiva, 12, Centro, Socorro
Fones: (11) 98942-2520, (19) 99759-9823 e (19) 3855-8111.
E-mail: bruno@arqcanepa.com

4 - centro educacional horizonte 2 xx

Gosto muito desta obra. A encomenda foi de requalificação da escola existente. Existiam conflitos de circulação e disposição, além da necessidade de uma ampliação de 200 m².

Bem, posso definir o partido arquitetônico em dois aspectos: um funcional e outro estético. Sobre o aspecto funcional, cito a organização da área frontal em duas rampas, definindo a entrada em dois setores. O lado esquerdo, destinado ao Ensino Fundamental e Médio, e o lado direito, destinado ao Infantil e Berçário.

No lado esquerdo, foram posicionadas a área administrativa e uma sala de aulas adicional. Foi criada uma área coberta para cada lado, propiciando um espaço de espera, para cada ocasião. Do lado esquerdo, havia a necessidade de alguns alunos aguardarem a chegada dos pais, no final das aulas. Do lado direito, havia a necessidade de os pais aguardarem os filhos mais novos serem trazidos pelos professores.

Outra premissa foi restringir a exposição visual das salas frontais para a rua e, ao mesmo tempo, melhorar a insolação e ventilação. Na prática, por conta da privacidade, as salas ficavam com as janelas e as cortinas fechadas, bloqueando a luz e a ventilação natural. Com a criação de um painel de elementos vazados, foi criada a privacidade desejada e as janelas e cortinas puderam ficar abertas, aumentando a ventilação e insolação.

Sobre o aspecto estético, o próprio painel de elementos vazados compõe um visual lúdico, com uma forma horizontal, sugerida pelo próprio nome da instituição, assim como a simbologia sutil das formas geométricas quadriculares, que nos remetem a um jogo de montar, à construção, à descoberta da criança. Esse jogo geométrico foi demarcado por uma iluminação embutida de baixo para cima, criando um efeito de nascer do sol, uma mensagem subliminar de despertar para o aprendizado.

Outra forma lúdica veio do pilar que sustenta parte da marquise frontal. O pilar lembra ao mesmo tempo a forma de uma fruta e a chama de uma vela, e também foi inserida uma iluminação embutida de baixo para cima. Ao observá-la de noite, o efeito é o de uma chama acesa. Gosto de considerá-la a chama do conhecimento.

O que mais me agrada nesse projeto é a ausência de muros e grades, a criação de um espaço semipúblico, na área frontal, composto pelo paisagismo, rampas de acesso, bicicletários e bancos. Para garantir a segurança foi posicionado um portão para cada entrada. A concepção de espaços semipúblicos, no Brasil, é praticamente um tabu. É quase impensável para algumas pessoas daqui cederem um espaço privado para uso comum, apesar de ser prática corriqueira em outros países. Nem é necessário ir até a Europa. Quem já pôde visitar Santiago, no Chile, por exemplo, sabe do que se trata. Mas, paremos para pensar: e se for bom para o proprietário, também? Um espaço integrado, livre de cercas, com permeabilidade física para todos? Não seria melhor todos ganharem do que todos perderem? Sinto-me honrado em trabalhar para pessoas que têm pensamentos e práticas positivas, generosas e humanistas, como no caso do Colégio Horizonte.

 

 

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