Drogas como o crack agem de maneira tão agressiva no corpo do usuário, que não permitem que ele entenda a gravidade de sua situação e o quanto seu comportamento pode ser nocivo para ele mesmo e para os outros. De acordo com a psicóloga Michele Mieli Faria, formada pela Universidade Mackenzie, com especialização na “Atenção ao consumo de álcool e outras drogas”, pela Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, a internação é a única solução. Confira, abaixo a entrevista realizada com a profissional, sobre esse assunto.
A busca por internações e tratamentos tem aumentado? Fale sobre o cenário atual.
Tem havido um rápido aumento no consumo de drogas no Brasil, principalmente em relação ao crack. Esse aumento pode ser observado pela própria frequência com que se encontram pessoas consumindo a droga, nas ruas.
O consumo de cocaína no país também mais que dobrou, em menos de dez anos, e já é quatro vezes superior à média mundial, lembrando, também, que a soma de juventude e bebida alcoólica é muito preocupante. As estatísticas apontam que, conforme a dependência começa mais cedo, a quantidade de consumo também aumenta. Mas a pior realidade dessa situação é que 4 em cada 10 adolescentes dependentes de drogas, começaram com bebidas alcoólicas.
28 milhões de pessoas vivem hoje, no Brasil, com um dependente químico. As experiências vividas por essas famílias são devastadoras, nos aspectos físico, financeiro, de relações interpessoais e pessoais.
Em decorrência do aumento do consumo de álcool e drogas, e adoecimento das famílias, também houve aumento da procura por internações, para tratamento da Dependência Química. A própria imprensa, diariamente, apresenta histórias de famílias que vivem o drama de ter alguém dependente de drogas.
A internação é a melhor forma de tratar a dependência química?
Em muitos casos, dependendo do grau de comprometimento com a droga, a internação é a única solução. Existe uma fase do consumo em que a pessoa perde totalmente o seu poder de escolha, de decisão. É um ciclo sem volta e, se não houver uma ação externa de ajuda a essa pessoa, é pouco provável que ela, sozinha, consiga parar.
Quando o grau de comprometimento com a droga é grave, começam a ocorrer agressões familiares, roubos e prostituição, para financiar o vício, entre outros episódios de violência. Nesses casos, a retirada dessa pessoa da sociedade é o primeiro passo a ser tomado, para a preservação de sua vida. Optar pela internação é necessário, para que se quebre o ciclo da compulsão e ocorra a desintoxicação física, além de possibilitar que se realize um trabalho psicológico, com o objetivo da recuperação do indivíduo e reintegração à sociedade, de forma saudável e produtiva.
A impotência dos usuários e da família diante da droga chegam a impressionar até a nós, profissionais, que nos debruçamos diariamente sobre o assunto.
Em casos de dependência de grau leve e moderada, o usuário ou familiar devem procurar ajuda ou nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do próprio município, ou com profissionais particulares especialistas no assunto, já que se trata de um quadro com muitas peculiaridades, que exige um conhecimento profissional específico. Outro tipo de ajuda também vem dos Grupos de apoio a famílias e a dependentes, como “Amor Exigente” e “Narcóticos Anônimos”; a frequência nesses grupos tem ajudado muitas pessoas a ficarem abstinentes, por meio de uma filosofia que defende uma mudança radical de vida.
Qual a rotina de tratamento na clínica, durante a internação?
Existem diversas modalidades de tratamento, isso pode variar, dependendo da metodologia da Instituição. Na Clínica Travessia, na qual eu trabalho atualmente, a pessoa, quando interna, geralmente está fragmentada em todos os sentidos, vindo de uma vida desregrada, egocêntrica e desobediente em seus compromissos e deveres.
Portanto, para que se inicie um processo de mudança, o indivíduo passa a cumprir horários e uma rotina de atividades, seja na hora de levantar, na hora de se alimentar, enfim, passa-se a reeducá-lo, nesse sentido. O contato com o mundo exterior é restrito, pois é necessário que a pessoa consiga se desligar do mundo exterior para que, dessa forma, ela entre em contato consigo mesma, se conscientize sobre a realidade que está sua vida e, assim, realize um trabalho de desenvolvimento interior.
É entendido que o problema em questão da vida da pessoa não é apenas a droga propriamente dita, mas sim o seu comportamento, pois foram as suas crenças, seus valores, a falta de respeito e amor por si e por outras pessoas, que o levaram ao uso. De uma forma geral, seria a forma como a pessoa vê, entende e compreende a vida é que faz com que ela escolha determinados caminhos. O uso de substâncias químicas seria somente a expressão do resultado deste pacote interior, que chamamos de “Verdadeiro Eu”.
Durante a internação na Clínica Travessia é desenvolvido um trabalho multidisciplinar, embasado na Literatura de 12 Passos (Minnesota), Terapia Cognitivo Comportamental e Física Quântica, além de um forte trabalho psicológico pela busca da verdadeira identidade da pessoa e processo de mudança interior, resgatando, assim, valores primordiais que também foram perdidos, com o uso de drogas. Cada dependente químico tem o seu “por que” da busca pelas substâncias químicas e, muitas vezes, nem mesmo ele sabe, e precisa passar por um processo psicoterapêutico, para a descoberta. O resgate dessas e outras informações é de suma importância para o desenvolvimento de um processo de recuperação.
O trabalho na Clínica Travessia é direcionado para que a internação seja um período de aprendizado e ressignificações profundas, a plano físico, mental e espiritual.
Dentre as atividades ministradas estão os atendimentos psicológicos individuais e grupais, as reuniões terapêuticas, os cuidados médicos e de enfermagem, a espiritualidade, os exercícios físicos e a prática esportiva, a laborterapia, os estudos de física quântica, além do trabalho realizado com as famílias, para conhecimento da doença e melhor manejo, entre outras atividades.
O ambiente de internação em dependência química é apenas uma fase do tratamento. A continuidade do tratamento no período de pós-internação é fundamental, para que o indivíduo prossiga com alicerces e redes de apoio, visando à manutenção da abstinência e prevenindo uma recaída.
A Clínica Travessia possui uma Rede Credenciada de Atendimento e Tratamento da Dependência Química para o período de pós-internação de seus pacientes. São parceiros profissionais que possuem uma identidade com os nossos ideais e valores.
Qual é o período de internação?
Acredito que o período ideal varia entre três e seis meses de tratamento. A relação do paciente com a droga, a motivação para o tratamento, análises feitas da sua vida quanto a sua estabilidade profissional, emocional, saúde física e relações familiares, são indicativos relevantes para se traçar um projeto terapêutico e determinar o tempo de tratamento ideal. É um processo individualizado, com necessidades diferentes em cada caso, as quais são avaliadas por toda equipe técnica da clínica.
Qual o papel da família, neste período? Visitas são frequentes?
O papel da família é imprescindível para o sucesso do tratamento e as visitas são previamente agendadas, de acordo com a avaliação da equipe técnica e necessidade do paciente.
Durante o tempo que o paciente permanece internado é essencial que a família frequente um Grupo de ajuda mútua (Ex.: Amor Exigente, Nar-Anon, Al-Anon) ou um trabalho profissional de orientação familiar, para aprender a lidar com o dependente químico. Há famílias que passam a viver em função do dependente químico, em prol de tentativas de soluções quanto ao uso crônico do familiar dependente. É necessário reintegrar os membros familiares do dependente, a fim de que os valores abalados sejam resgatados, tais como: a segurança, a confiança perdida, o carinho e o respeito, buscando, com isso, a recuperação da identidade do dependente, dentro da família.
Além disso, comportamentos que possibilitaram o desenvolvimento da doença, se não modificados, farão sua manutenção. A partir do momento que há a compreensão da família da doença instalada no paciente, ela passa a ser mais participativa na recuperação, fortalecendo sua ação, no intuito da abstinência do familiar dependente.
Os pacientes saem da clínica durante o período de internação?
A clínica Travessia possibilita ao paciente, após prévia avaliação da equipe técnica, sair algumas vezes para permanecer alguns dias em seu lar e, posteriormente, retornar à clínica e apresentar as dificuldades encontradas que teve, durante esse período de convívio com a família e, dessa forma, consiga tratar estes aspectos. Isto acontece nos casos em que o paciente adere ao tratamento e esse processo denomina-se “ressocialização”. As ressocializações deverão acontecer no quarto, quinto e sexto mês, sendo: 5 (cinco), 7 (sete) e 10 (dez) dias respectivamente.
Quando a família deve intervir para que seja realizada a internação?
Para que a família do dependente possa intervir é preciso que ela observe os seguintes comportamentos:
– falta de horário para se alimentar, chegar em casa ou irresponsabilidade com compromissos simples como: dentista, viagens, encontros etc.
– desinteresse pelo trabalho, escola, esportes, baixo rendimento ou falhas excessivas na escola.
– perda da autoestima: uso de roupas sujas, falta de vaidade, falta de higiene pessoal, mentiras grosseiras para justificar falhas e faltas no convívio social, familiar e profissional.
– pequenos furtos dentro de casa: dinheiro da bolsa, da cômoda, “sumiço” de roupas ou de objetos;
– péssimas companhias: o dependente começa a andar e namorar outras pessoas com o mesmo tipo de problemas que ele (é a chamada identificação);
– se estes comportamentos estão ocorrendo com o seu filho (ou outro familiar), você provavelmente precisará agir. Procure ajuda!
Serviço – A psicóloga Michele Mieli Faria atende na Clínica Travessia e Spazio Salute (consultório particular), à Rua Marechal Deodoro, 189 – Centro – Telefone: 3895-0718.