“Em nenhum momento passou pela minha cabeça desistir”, conta o peregrino  

Leitura obrigatória

Uma experiência pela qual somente quem vive sabe relatar. Nesta semana, contamos a trajetória de Luis Carlos Rostirola até Santiago de Compostela. Foram 830 quilômetros de histórias e emoções.

Fale um pouco sobre a saída e a chegada.
Saí do Aeroporto de Guarulhos/ SP, no dia 1º de setembro, às 15h. A chegada foi bem complicada, pois perdi o voo da conexão. A diferença entre o pouso em Roma e a decolagem para Madrid era de apenas 45 minutos e não foi o suficiente; saí da emigração já com o tempo estourado e, assim como eu, muitos perderam conexões, não só para Madrid. Foi tenso, porque quando cheguei ao balcão da companhia aérea já tinha muita gente nervosa e brigando, por também terem perdido seus voos. Para complicar, fiquei sem carga no celular, deixando-me preocupado por não ter como dar notícias para a família. A previsão de chegada em Madrid, inicialmente, era 10h30 do dia 02/09. Com esse problema, só cheguei às 17h e, por isso, também perdi o horário de trem para Pamplona e à hospedagem para a qual tinha feito reserva. Consegui chegar a Pamplona somente às 23h30. No dia seguinte, 03/09, peguei o ônibus para Saint Jean Pied Port – França, que foi o ponto de partida para o Caminho de Compostela. Esse problema atrapalhou bastante o meu planejamento inicial.

Como foram os dias de percurso?
Os quatro primeiros dias foram muito quentes. Segundo moradores da região, foi a maior onda de calor no outono, em muitos anos; cheguei a caminhar com 38ºC de temperatura. No quinto dia, começou a ventar e mudar o tempo, e dei muita sorte, porque assim que cheguei ao Albergue Capuchinos, em Estella, começou a chover forte. Teve outra situação igual, alguns dias depois. Depois dessa onda de calor e, em seguida, vento e chuva, e a temperatura ficou mais amena. Em Muxia, no último dia, acordei com 3ºC, a menor temperatura. Mas todos os ambientes fechados, albergues, bares, são calafetados: frio, calor, só da porta para fora; e caminhando, logo esquentava, quando a temperatura estava baixa, normalmente pela manhã. 

O que encontrou pelo caminho?
Ouvi muito das pessoas que conheciam o Caminho dizerem que não tem palavras para explicar, que você tem que sentir, e eu vivenciei isto. Foi, sem dúvida, uma das melhores experiências que tive na vida. Superou em muito a minha expectativa. É um lugar mágico, muita história, pessoas do mundo todo, uma energia muito forte e, em vários lugares, sentia um arrepio inexplicável.
Depois, foram 830 km, caminhando por 2 países lindos.  Os campos muito bem cuidados, apesar de ser outono, bem seco e fazia tempo que não chovia; vi muitas áreas irrigadas, muitas culturas de uva, girassol, videira, feno. Muitas ovelhas nos Pirineus, gado em muitas regiões, pueblos, cidades pequenas e grandes, muito lindas.
Infelizmente, uma constatação que fiz, é que o nosso país está muito atrasado em relação a eles, na educação, cultura, segurança. Vi situações que aqui seriam impossíveis: uma banca na beira de uma estrada de terra, com frutas, água, refrigerantes, sem ninguém perto e por donativo. Uma linda peregrina, andando em um bosque, no escuro, sozinha; buzina de carro é muito raro ouvir e tudo isto é absolutamente normal; anormal para nós que estamos próximos do caos, infelizmente. 

Andou sozinho?
No início, andei mais acompanhado, os brasileiros se procuram e tinha muitos; com o passar dos dias, passei a andar mais só. Mas não teve uma regra, pois dificilmente você encontra alguém com o mesmo ritmo. É muito interessante você andar acompanhado, depois você fica só, horas depois ou dias depois você reencontra as mesmas pessoas. Tem os prós e contras em andar só ou acompanhado. Fiz muitos amigos, mais brasileiros, mas fiz amigos americanos, australianos, galeses, espanhóis, italianos. Tudo isto mal falando o português! (risos)

Teve momentos difíceis?
Acho que, com a idade, fiquei mais seguro; em nenhum momento passou pela minha cabeça desistir. O que ajudou muito foi a ótima preparação física que fiz, isto me deu muita segurança. Muitos amigos que fiz pelo caminho tiveram problemas com bolhas, tendinites, dores nos joelhos, tornozelos etc. E com isto, despachavam mochilas para o albergue seguinte ou até pegavam ônibus ou taxi, para não forçar. Graças a Deus e a esta boa preparação, não tive problemas e fiz todo o Caminho andando e com a mochila nas costas.

Quais os momentos mais emocionantes?
O Caminho todo é emocionante, não tem um dia igual ao outro, mudam cenário, pessoas, eu mudava. Do dia que saí de Socorro, na companhia da Rita e da Lais, que me levaram até o Aeroporto, já me senti peregrino. Quando me despedi delas no aeroporto, sabia que durante 35 dias seria eu, a mochila e os meus pensamentos, sentimentos. Quando cheguei a Saint Jean Pied Port a emoção foi grande, quando vi muitos peregrinos. O primeiro dia, quando comecei a subir os Pirineus, arrepiou; cada albergue em que eu chegava era uma emoção. Toda noite, antes de dormir, era uma mistura de sentimentos e pensamentos, impossível não pensar no que tinha deixado aqui e tudo que estava vivenciando lá. Todos os dias, quando acordava, agradecia a oportunidade que Deus estava me dando, por estar sentindo tudo aquilo; praticamente todos os dias, assistia a uma missa ou somente visitava, para uma oração de agradecimento, as muitas igrejas que encontrava. A chegada a Santiago de Compostela foi muito emocionante, ainda mais porque, um dia antes, encontrei um grupo de 7 brasileiros maravilhosos e chegamos juntos. Assisti a três missas na Catedral, duas delas com botafumeiro, um gigantesco incensário que balança na nave, durante as missas dos peregrinos. Depois de Santiago fui conhecer Finisterre e Muxia. Em quase todos os lugares em que fiquei, visitei os pontos principais e as igrejas. Não sou católico praticante, mas entrar, rezar uma Ave Maria, um Pai Nosso e agradecer a Deus foi gratificante, sempre. Coisas que são simples, como ficar 30 dias sem fazer a barba, algo que nunca tinha feito, e caminhar seguindo setas amarelas, também foram emocionantes. 

Além do Caminho, aproveitou para conhecer outras cidades?
Engraçado, sentir-me peregrino fez com que ser turista perdesse a graça (risos). Fiquei um dia em Madrid, uma cidade muito bonita, mas grande, agitada, pessoas com pressa. Quando passeava pela cidade senti falta da minha mochila, não tinha graça não ter outros peregrinos perto. Andei de ônibus, para visitar o Estádio do Real Madrid, mas queria caminhar. O meu tempo foi bem justo, tive 30 dias para fazer o Caminho, fiz em 27, depois fui de ônibus até Finisterre e de lá até Muxia, caminhando. Encontrei muitos brasileiros que foram para Portugal, tive vontade de fazer o mesmo, mas não tinha tempo.

“As emoções que senti foram muito fortes; como disse anteriormente, começou aqui em Socorro no dia em que parti e continuou até o meu regresso, com a triste notícia que recebi, ainda no Aeroporto, da partida do meu sogro; parece, ainda hoje, que tudo foi um sonho, o sonho maravilhoso que tive enquanto estava caminhando em um lugar mágico e o sonho da notícia que minha esposa me deu. Sei que onde o Zé Sette estiver ele está bem, feliz e sabendo que a sua missão aqui foi cumprida com muito mérito. Lembro-me sempre dele, me falando: “Você vai andar mais de 800 km em um lugar que não conhece, sozinho: por que não vai de carro?” (risos)
Perguntaram-me, muitas vezes antes e depois do Caminho, por que eu fiz essa loucura, se era promessa. Digo que era uma vontade muito grande, que não sei exatamente de onde surgiu. Hoje, depois de um mês, digo que amei tudo. Aconselho a quem tem vontade que faça, porque vale muito a pena. Independentemente de ser o Caminho completo ou parte dele, por fins religiosos, espirituais ou mesmo como desafio, a sensação de estar com a mochila nas costas, andando pelo Caminho, é inexplicável”!

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