Socorro é uma cidade estruturalmente tradicional, conservadora e patriarcal. Há quem acredite que este enunciado pode definir nossa cidade; mas há também quem acredite que ela é bem mais do que isso e que o caminho que leva à construção de uma sociedade cada vez mais livre, igualitária e diversa, fica mais curto a cada pequeno passo. É o caso dos jovens organizadores dos saraus que vêm acontecendo na cidade, que dedicam seu tempo, voluntariamente, para criar encontros que sejam potenciais transformadores sociais, combinando arte, representatividade e comunidade. O II Sarau Cultural Grito dos Silenciados foi mais uma bela mostra da importância desse movimento.
A tarde de sexta-feira, dia 19, foi de muita chuva e, não havendo condições de ser mantido na Praça da Matriz, o Sarau foi transferido para o Teatro do Centro Cultural. O objetivo do Grito dos Silenciados é, a partir da arte, levantar o debate a respeito das minorias (grupos de pessoas historicamente relegados à subordinação socioeconômica, política ou cultural, em relação a outro grupo). Negros, mulheres, LGBTs, crianças, senhoras e muitos tipos de seres-humanos, na proporção de mais de uma centena, compuseram este belíssimo retrato da diversidade e insubmissão.
A entrada do Teatro foi transformada numa galeria de arte, na qual ficou exposto o trabalho da talentosíssima fotógrafa Dai Lemos, parceira que também fez lindos cliques durante o evento, e da desenhista Agnes Cristine, que veio de Pinhalzinho para participar e nos presentear com a delicadeza a intensidade das suas ilustrações. Também havia um varal que apresentava dados sobre a violência sofrida por mulheres, negros e LGBTs no Brasil, e outro com poesias da organizadora, ruiva e poetiza Natty Granato. Ainda na entrada, funcionaram duas oficinas artísticas: a de pintura facial, que já é tradicional e sempre feita com carinho pela Carol Gradino, e a de Stencil em camisetas, cujo molde, com o logo do Sarau – ou o logo “dos peixinhos”, como sempre dizemos – foi feito pelo artista Bruno França.
O palco foi tomado por um tsunami de apresentações e intervenções artísticas: música, teatro dança e performance. Uma das performances, literalmente, lavou o palco e também a alma das pessoas presentes, executada pelo artista Guilherme Franco, inspirado em Marina Abramović. Outra performance emocionante foi a do ator Tharteau Filho, que dançou e interpretou a música Beatriz, enxergada não com os olhos da cara, mas com os da alma.
A Drag Queen, atriz e bailarina Miss Judy Rainbow foi um espetáculo à parte, de beleza e magia. Ela nos dedicou duas performances fantásticas e levou um presente especial de Socorro para sua casa, em Campinas: um retrato seu, desenhado magistralmente pelo artista socorrense Bruno França (guardem bem este nome!).
A música ficou por conta dos artistas Mayara, Duilso, Bruno, Lara, Laura, Lívia, Arthur, Brendo e Bruna (que também dançaram), Lucas e outros amigos. De Anitta a Chico Buarque, rap, rock, MPB e canções autorais, tudo foi muito especial, diverso, único. Discursos belíssimos e poesias sobre empoderamento, liberdade e igualdade emocionaram todos os presentes. Teve também a envolvente dança do ventre com a dançarina Valquíria, nos derramando sua beleza em cores, curvas e movimento. A estes e a todos os/as artistas, colaboradores e expectadores presentes no II Sarau Cultural Grito dos Silenciados, a nossa gratidão!
Nós – eu, Natty, Arthur e João: organizadores do evento – temos muita gratidão e carinho para dedicar nosso tempo e movimentar a cidade em direção à cultura, à arte e ao enriquecimento cultural, político e comunitário. Nós, e aqui digo de todas as pessoas que participaram, criamos beleza e transformação.
Antes de terminar, é necessário citar que o Sarau não teria todo esse sucesso e brilho sem a colaboração da Secretaria de Cultura, portanto, fica aqui nosso agradecimento pela disposição e parceria do secretário Tiago de Faria e do diretor Fernando MS. Agradecimentos, também, ao Conselho Municipal de Políticas Culturais (COMUPC), pelo subsídio concedido.
Pensando numa forma de ajudar a cidade e gerar uma corrente de colaboração com alguma instituição social, também fez parte deste Sarau uma campanha de arrecadação de itens de higiene e saúde em prol do Lar Dom Bosco, que atualmente abriga 18 crianças e adolescentes. Ao final, somando as doações coletadas antes em lojas de cosméticos, farmácias locais e comércios do centro da cidade, com as doações das pessoas que colaboraram durante o evento, e também alguns itens comprados pelos organizadores com a verba que restou do subsídio, tivemos cerca de 100 itens, entre desodorantes, barbeadores, xampu/condicionador, absorventes, perfumes etc. As doações foram entregues à instituição, na terça-feira.
Em suma, que a gente se mantenha junto e caminhando em frente, em busca de mais liberdade, mais amor, empatia, igualdade, respeito e arte. Nenhum passo atrás! Há muitas formas de transformar as coisas…