Os cem anos de Lourdes Pinto Picarelli

Leitura obrigatória

“Bandeira da minha terra,
Bandeira das treze listas:
São treze lanças de guerra,
Cercando o chão dos paulistas”.

Os versos de Guilherme de Almeida que encimam esta crônica são a forma como estamos acostumados a vê-la: ela é a lança do combate que guarda o nosso chão. É a guerreira que lidera e nos leva, altaneira, às pequenas vitórias no dia a dia. É a sentinela que, vigilante, nos alerta e nos mostra os perigos. Creio que foi sempre essa mulher forte e tenaz, acostumada a ver a beleza em tons iguais, tanto no anoitecer fugidio, como no raiar do dia.

Enquanto a pena do jornalista e tribuno Ibrahim Nobre açoitava a ditadura dos pampas, essa sempre jovem – então pouco mais que uma adolescente, vivia o ideal revolucionário, arrebatada pela causa da Democracia nos idos do inconformismo paulista de 32. Experimentou, então, o valor de sua luta e aprendeu, de forma cristalina e consciente, que ao sentir no peito bater a chama da liberdade, saberia deixar “a folha dobrada, enquanto se vai morrer”. Ainda no frescor dos 20 anos, aprendeu viver a vida dentro dos rigores que, no Evangelho, a justificam como uma dádiva divina para assim cultuá-la, por toda sua longevidade.

Exatamente como previra o verso do poeta campineiro, hoje centenária ela vive sempre pronta a dobrar a folha, mas não deixa de buscar novos desafios, com o mesmo ardor e com a mesma intensidade do frescor de sua mocidade. Os que a conhecem e com ela convivem sabem que não há exagero no que se diz: não amplio, nem faço o elogio desmedido. Certamente outros há que darão fé a isso, melhor que eu. É irrefreável essa vontade indômita, corajosa que, a cada dia e em todos os dias, se renova e se fortalece nas suas próprias forças e preces, para retornar como exemplo e admiração por todos que a circundamos: sua gente e seus amigos. Bastaria a sua perseverança e a sua determinação em tudo quanto acreditou e acredita, para torná-la mais que a veneranda matriarca que é, pois é a exceção dentre as regras; a linha reta dentre as tortuosas, a flor entre os espinhos.

Mas não só por isso – o que já é muito, que é repetidamente homenageada como símbolo das mais diversas virtudes de mulher e de mãe.

No recôndito de seu lar exerce uma ação de generosa solidariedade, criando netos e agora assistindo a bisnetos, com o mesmo vigor e dedicação como já o fizera com seus filhos. É, aos cem anos, uma jovial provedora de todos! E jovial não lhe é qualificativo meramente de enfeite, antes o é de merecimento, porque manter-se jovem para ela é bem um exercício de mente sadia e de fé no seu Deus. Frequenta, atenta e determinada, incansáveis compromissos com a sua comunidade que ela tanto ama e a qual tanto se dedica. Não há dificuldade que a retenha ou que a faça negligenciar com a obrigação. E se o compromisso for pela causa dos mais desvalidos e precisados, aí mesmo que a preferência é sobre tudo e sobre todos. Mulher de Fé sólida, vivenciada com disciplina e intransigência, inspira cada ato que preside, na intimidade de cada coração que a cerca, com a louvação pelo bem de todos e, principalmente, pelos que –ausentes na Fé, lhe merecem maior carinho e compreensão. Não alteia a voz, nem reprime gestos senão com os olhos. Jamais recrimina e sempre é solidária. Não tem queixas; só agradecimentos. Aos cem anos, está perfeitamente informada das coisas do Brasil e do Mundo e mantém a mente acesa pelo debate e pela crítica.

Mulher do seu tempo e do tempo todo, não tem sequer lampejos de saudosismo, acompanha e aceita a modernidade e a evolução dos costumes. Sua postura é sempre de pioneira intimorata e em tudo o que faz, o faz bem e na busca da perfeição. É, por essência, uma liberal que sabe ouvir e discernir. Imbatível na saúde física, tão forte quanto a mental, é exemplo de tenacidade e de energia e, frequentemente, nos constrange a todos – os mais preguiçosos – subindo e descendo escadas, indo e vindo para servir aos outros. Sua contabilidade familiar ficou desfalcada pela perda recente da filha e companheira Tarsila, o que lhe trouxe uma dor intensa, só consolada na Fé. Mas sobrevive à dor no consolo de duas filhas, um filho, três genros, uma nora, catorze netos e netas e nove bisnetos. Por isso, mais uma vez neste 21 de junho, rezaremos: Mãe nossa de cada dia, que cuidaste de nossas apreensões e de nossas alegrias, nos te louvamos! Mãe nossa de cada hora, que traz no coração o ensinamento do Amor, nós te adoramos! Mãe nossa de cada instante, que nos ensinaste a Verdade e a Fé, que nos mostraste conhecer o Senhor, nós te agradecemos! Mãe nossa de mãos santas e generosas, que levam o Cristo ressuscitado e que distribuem bênçãos. Mãe nossa de sempre, nada seremos se não formos como tu és! Amém.

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