“Há muito mais homens no ambiente acadêmico e na chefia das pesquisas. Os casos de assédio moral fazem parte de nosso cotidiano”, comenta Regiane Godoy de Lima, 35 anos, pós-doutora e pesquisadora na Área de Ciências dos Materiais e professora Universitária na UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso). A falta incentivo e de verbas é outro desafio. Neta de seu Ibete das bicicletas e chaves, filha de Marta Regina de Godoy e Hermínio de Lima, a ex-aluna do Narciso comenta sobre sua vocação, estudar longe de casa e construir uma carreira acadêmica em um ambiente predominantemente competitivo
e masculino. Confira:
A descoberta de uma real vocação e escolha por uma profissão nem sempre é fácil, como se deu a sua?
Sempre gostei de estudar, mas como também sempre fiz esportes achava que não era nerd… Mas, na verdade, sempre fui! Amo basquete, jogo desde os 11 anos até hoje no Pós-doutorado. Em Socorro treinava basquete com o Paulão pela prefeitura, Clube XV e escola. Depois, em todos os lugares que passei, entrei para o time de Basquete das Universidades. Na graduação, no mestrado e doutorado em Ilha Solteira, até na FCT na Nova Lisboa e agora aqui na UFMS. O Basquete serviu como forma de interagir com as pessoas, diferente do meu curso e dos laboratórios. E, como mudei muito, também era uma maneira
de me enturmar…
Mas então, como passou do basquete para as Ciências Exatas?
Sempre quis fazer Educação Física, mas odiava biologia. Gostava de Exatas e, a primeira vez que fiz vestibular, prestei Engenharia Mecânica. Isso no 3º ano do EM, na UNICAMP. Não passei. Zerei na redação e não estava preparada o suficiente. Ainda tinha 17 anos, então prestei para entrar no cursinho da Cooperativa do Saber, cursinho da UNICAMP naquela época. Consegui uma bolsa de 100% e me mudei para Campinas. Achei melhor prestar física do que engenharia, pois gostava muito de pesquisa e teria mais área para trabalhar. Escolhi o Campus de Presidente Prudente da UNESP por ter uma melhor
possibilidade em questão de vagas e passei. Foi difícil ir para tão longe de casa, não conhecer ninguém e ter uma rotina totalmente nova. Depois não parei mais… Por essa vida acadêmica já morei em 9 cidades, 3 estados e dois países.
E ainda não me estabeleci em um lugar. Se me perguntar ano que vem onde estarei, não sei responder com certeza.
Sua graduação foi em Física, mas agora trabalha com Ciência dos Materiais. O que exatamente essa ciência pesquisa?
É difícil explicar a Ciência dos Materiais porque é tudo para tudo… depende do que faz para a aplicação que vai usar, depende
de qual material que a gente usa e vai usando a tecnologia de impacto… Materiais é interdisciplinar. O Grupo que eu trabalho tem biólogo, tem físico, tem químico, tem agrônomo, tem engenheiro mecânico…tem um monte de coisa…
Mas, quando entrou na graduação, você tinha ideia de tudo isso?
Não, pensei apenas que em física podia pesquisar e queria pesquisar para colaborar com a sociedade e com o mundo. Sabia que podia ser multidisciplinar como biofísica que era usada nos esportes. Mas, com o estudo da Ciência dos Materiais, descobri a real interdisciplinariedade. Já na graduação, a minha Iniciação Científica era com a cinza do bagaço da cana de açúcar, porque Presidente Prudente é uma região de cana de açúcar… Da cana se usa tudo… Se faz o açúcar, depois o álcool, depois queima e faz energia termo elétrica… Sobrava esse bagaço que, lá na região, formava montanhas de cinzas e cinzas de bagaço… Meu professor queria usar essas cinzas e fazer carvão para retirar a cana do meio ambiente. Ela tem impurezas que
não colaboravam, mesmo sendo utilizada de outras formas ficavam essas impurezas que a gente filtrava para poder utilizar mais uma forma… Esse é o tipo de ciência que eu sempre gostei: em prol de alguma coisa…
Depois da Iniciação Científica você continuou com essa pesquisa?
Continuei a pesquisar materiais, mas em outras pesquisas. No mestrado fiz um projeto no qual eu não sabia muito bem o que eu queria. Mexi com o super condutor, uma cerâmica que quando em uma temperatura específica de nitrogênio líquido cria propriedades super condutoras. Ele pode levitar, não tem resistividade, o calor não é contínuo…Um material muito interessante, entretanto difícil de pesquisar, precisa de muito dinheiro… e também não era um material sustentável… Eu
não gostei e mudei de pesquisa depois… De fato não me identifiquei, aprendi bastante, mas não foi algo que eu gostei de fazer. Então, no doutorado eu procurei algo que eu tivesse maior interesse.
E qual foi esse novo projeto?
Comecei a mexer com nano partículas poliméricas. Colocava produtos naturais dentro das nano partículas, para câncer, para fazer uma atividade… Eu odiava biologia, mas tive que aprender biologia, bioquímica, um monte disciplinas que eu não gostava… Eu mexia com a pimenta, então eu tive que saber fazer a extração da pimenta para pegar as propriedades que eu queria para poder colocar dentro da nano partícula…
Foi muito interessante e me deu a oportunidade de ir para fora. Essa parte é mais química, assim em Portugal o meu doutorado era em química sustentável. Agora, no pós-doc, continuo a lidar com nanopartícula, porém de celulose. A nano partícula de Acetato de celulose ou celulose é proveniente da madeira do eucalipto e bem comum aqui na região. Vou
colocar o lapachol que é um produto do ipê roxo que tem muitas propriedades de fotodinâmica e é antifúngica… depois vou aplicar no fungo da soja. A ferrugem asiática que dá bastante prejuízo…
Esse projeto eu escrevi para ficar assim, bem específico da região em que eu estou trabalhando, sempre penso na ciência assim: interferindo positivamente na região onde atuamos.
Em algum momento você parou de pesquisar?
De 2018 até 2021 fiquei parada até conseguir o pós doutorado. Dei aula e precisei ajudar minha mãe com o COVID. Nesse perí-
odo, não houve verba para a Ciência, se quisesse tinha que ser voluntário, estava muito difícil. Agora que está voltando. Então, a gente tinha que ir embora… é bem difícil continuar no país…
Algo a acrescentar para o leitor?
Seguir a nossa vocação e contribuir de algum modo para a sociedade é a base para vencer os desafios e o que move a pesquisa
científica. É instigante e gratificante!
Trajetória Acadêmica:
Bacharel em Física pela UNESP campus de Presidente Prudente (2010), Mestrado em Ciências dos Materiais (2013) pela
Unesp Campus de Ilha Solteira, Doutourado em Ciências dos Materiais (2018) pela Unesp campus Ilha Solteira com período sanduíche na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Pós-doutorado em Ciência dos Materiais na UFMS (2021-2022), faz o segundo pós-doutorado na UFMS e é professora universitária de diversas disciplinas.