O sonho de todo acadêmico: estudar em Harvard, uma das universidades mais prestigiadas do mundo. Quem viveu essa
realidade foi Mariana Costa Silveira, de 36 anos, socorrense de coração desde a infância. De setembro de 2022 a fevereiro de
2023, ela desenvolveu seu projeto de pesquisa no doutorado da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo nos Estados Unidos. De
volta ao Brasil, ela relata a sua experiência. Acompanhe:

Fale sobre sua trajetória no mundo acadêmico.
Fiz graduação em Ciências Sociais, na Universidade Federal de Minas Gerais em Belo Horizonte (2006-2010). Na época, trabalhei em projetos de iniciação científica sobre cooperação social. Também me envolvi em projetos de extensão acadêmica
em assentamentos informais de BH e atuei em projetos de pesquisa e consultoria em projetos de interesse público, na área socioambiental e de planejamento urbano.

Em 2014, mudei para São Paulo, onde trabalhei por 7 anos no setor público, em pesquisas de diagnóstico e monitoramento social em assentamentos informais na Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) de São Paulo. A experiência na CDHU me motivou a voltar ao mundo acadêmico e em 2016 comecei o Mestrado em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP). Minha pesquisa abordou a atuação criativa, inovadora e engajada de servidores (as) públicos (as) da CDHU, focados (as) em incentivar a participação contínua de comunidades locais nos projetos de intervenção urbana,
produzindo inovações e aprimoramentos na implementação das políticas públicas.

Em 2020, comecei o Doutorado em Administração Pública e Governo na Fundação Getulio Vargas (FGV), desenvolvendo
uma pesquisa sobre o cotidiano de servidores públicos no governo federal, no setor ambiental e indigenista.

E sobre a pesquisa em Havard? Quais as etapas e o objetivo da pesquisa?
A pesquisa desenvolvida em Harvard corresponde a uma parte da minha pesquisa de Doutorado, iniciada na FGV. O
objetivo da pesquisa é entender como os servidores públicos no governo federal produziram inovações na área ambiental e
indigenista ao longo dos anos, considerando diferentes contextos político-institucionais.

Eu estive vinculada à Universidade de Harvard como pesquisadora visitante no Departamento de Governo e lá tive a oportunidade de cursar disciplinas, participar de seminários e apresentar resultados preliminares do meu trabalho aos diferentes grupos de pesquisa (grupos de política comparada, política econômica, etc.). Especificamente nesse período (setembro/2022 a fevereiro/2023), desenvolvi um questionário online destinado a todos os milhares de servidores
públicos federais da área ambiental e indigenista. Os resultados preliminares desse estudo sugerem que os servidores que
recebem o apoio de seus pares ou de associações de servidores são mais propensos a se engajar em práticas ativistas ou inovadoras, na defesa da pauta ambiental e indigenista. Esse resultado se sustenta mesmo em contextos institucionais adversos, como foram os últimos quatro anos no governo federal brasileiro, em que boa parte dos servidores foi
ameaçada ou mesmo impedida de desenvolver seu trabalho, conforme a missão institucional de suas agências.

As principais etapas dessa pesquisa de doutorado são: (1) análise bibliográfica sobre os estudos já produzidos sobre o
mesmo tema em pesquisa; (2) realização de duas rodadas de entrevistas com 90 servidores da área ambiental e indigenista, em diferentes momentos no tempo (rodadas de entrevista com os mesmos servidores em diferentes governos, considerando o período 2021 a 2023); (3) realização do questionário online com 609 servidores; (4) análise dos dados e escrita dos artigos que compõem a tese.

Qual o seu conselho para quem deseja ingressar nas Ciências Sociais?
Eu destacaria duas principais coisas. A primeira é a importância de se levar em conta a interdisciplinaridade tanto do escopo do curso, quando da atuação profissional após a graduação: o curso de ciências sociais permite que você atue em diferentes áreas, conforme seu(s) tema(s) de maior interesse. Conheço muitos(as) cientistas sociais que, com o tempo, passaram a trabalhar em setores como, por exemplo, política urbana, saúde coletiva, relações internacionais, meio ambiente, educação, consultoria política, etc. Além da trajetória acadêmica de pesquisa, o curso oferece outras possibilidades de atuação em
diferentes organizações, como setor público, setor privado, organismos internacionais/ multilaterais, organizações não-governamentais, etc. É importante ficar atento/a às diferentes possibilidades. Na época em que eu comecei minha graduação, eu não tinha tanto conhecimento sobre essa diversidade de campos de atuação e oportunidades profissionais. Hoje em dia, acredito que essa informação é mais acessível – mas é importante ficar atento/a.

Minha segunda sugestão é sobre a importância do uso articulado de métodos de pesquisa, integrando métodos quantitativos
e qualitativos de análise. Hoje há tantos recursos e métodos de coleta/processamento de dados, que nos permitem acessar e
analisar uma quantidade gigante de informações. Uma boa formação metodológica – tanto em estratégias de análise qualitativa quanto quantitativa – é algo importante para os/as cientistas sociais.

Algo mais?
Ao pesquisar o cotidiano de servidores que se engajam em desafios diários para proteger o meio ambiente ou promover os
direitos dos povos indígenas, vi como são tarefas complexas e que pressupõem não só a atuação do Estado (ao longo do tempo) como também a atuação da sociedade civil como um todo. Milhares de pesquisas têm mostrado a urgente necessidade de efetivamente endereçarmos a questão ambiental e socioambiental em tudo o que desenvolvemos: desde ações pontuais no
nosso dia-a-dia, até ações mais amplas e estruturantes como políticas públicas e programas.

Acredito que todos – sociedade civil e terceiro setor, setor público e privado – têm um papel crucial na preservação dos diferentes biomas brasileiros e no respeito aos povos originários e às comunidades tradicionais que colaboram com a proteção
desses biomas. O desafio é enorme e há muito o que fazer pela frente!