É inegável que vivemos uma era em que a agilidade nos consome e as transformações tecnológicas aliadas à globalização acabam por nos deixar, muitas vezes, sem parâmetros para a tomada de simples decisões cotidianas. Nesse contexto, surge o papel delas – as mães – e cresce seu desafio. Essa semana, estivemos com a psicopedagoga Nielsen Lima, que nos falou um pouco sobre isso: o papel social das mães, o desafio e a alegria de ser mãe. Confira a entrevista:

No contexto atual, como você define ser mãe?
Quando a gente fala em mãe já vem a imagem de uma pessoa que cuida, ensina, protege. Hoje, isso está bem diferente… Existe essa mãe que faz tudo isso, que ensina, cuida, protege, acompanha as lições de casa, brinca com a criança, mas também tem aquela que trabalha fora, não tem muito tempo ou que simplesmente não consegue fazer a maternagem… Tem a mãe que disputa o espaço com o filho/ com a filha, a que trata filho e filha como amigo/amiga… Existem muitas mães: aquela que é toda carinhosa, presente e a que mesmo não sendo carinhosa, consegue ser presente… Há aquela mãe que presenteia com o material, mas não consegue ser presente emocional e fisicamente… Não existe mais um padrão e as mães hoje estão tendo dificuldade em exercer seu papel.

Como você vê a questão da mãe do século XXI que tem seu tempo dividido com tarefas que nossas mães e avós não tinham?
Na rotina do dia a dia, o tempo é imprescindível… O tempo em família e o tempo como mãe… Mesmo que se tenha uma rotina corrida: trabalhar fora, estudar, limpar a casa, ir ao mercado, cuidar de um filho, cuidar de outro filho, às vezes cuidar de pais; tantos afazeres, o pouco de tempo que passa de qualidade com os filhos já faz toda a diferença! A criança ou o adolescente se sente importante, acolhido, amado.

Poderia comentar sobre como esse tempo de qualidade se traduz no cuidar cotidiano?
É importante lembrar que todo excesso e toda falta é ruim: do mesmo jeito que cobrar em excesso é ruim, não cobrar nada também será ruim… Então, o desafio é achar o ponto de equilíbrio, não dizer somente sim, e dizer também o não… É por limites sem ser inflexível: ter horário para voltar para casa ainda é importante, não deixar dormir a hora que quer é imprescindível… Então, quando se pensa no tempo de qualidade, não tem a ver apenas com alegrias. Tem coisas que a mãe é chata, os adolescentes falam assim “minha mãe é chata”! Só que o ser chato na verdade é zelar, é cuidar, é ensinar como agir na vida, como se portar nos diferentes ambientes… É sobretudo ensinar a respeitar o outro, mas tudo isso começa dentro de casa.

Poderia explicar melhor isso, do começar dentro de casa?
Claro. A forma que eu permito que os filhos me tratem é a forma que eles também tratarão as pessoas lá fora. Se eu permito que a criança ou o adolescente faça o que bem entende e eu digo “nossa, eu não sei mais o que fazer, eu não tenho mais controle”; então, na verdade, eu é que estou precisando de ajuda, porque realmente como mãe essa é a minha responsabilidade, preparar “esse” serzinho, essa criança, esse adolescente para a vida adulta.

E como fica para a mãe, hoje, a cobrança por essa responsabilidade, a de ajudar a construir parâmetros…
Existe a cobrança do que se espera de uma mãe, socialmente falando. Espera-se que eduque, que ensine o que é certo, o que é errado, o que pode, o que não pode, os valores, os princípios morais, que trate as pessoas com respeito, com educação, que saiba se comportar, isso é o que é exigido socialmente em nossa cultura… Porém, muito disso vem sendo terceirizado, e muitas vezes fica para os avós colaborarem. Eles vão cuidar e educar, mas no sentido do proteger. Então, muito do que não é permitido ao filho ou a filha vai ser permitido aos netos … porque o olhar é diferente, o contexto vai ser outro… e, por melhor que eles façam, não vão dar certas repreensões que seriam necessárias… Então, não dá para terceirizar, a mãe é imprescindível na nossa vida.

Considerando que há uma cobrança e que a mãe tem um papel fundamental na vida, você acha que podemos estabelecer um padrão, um jeito único de exercer a maternidade…

Não há um padrão. Tem mãe que apenas consegue gerar a vida, o que já é uma grande magia. E, a partir do momento que nasce, os dois primeiros anos são de total cuidado, para poder iniciar uma fase de maior independência e, então, o desafio de ser mãe começa desde essa fase, gerar uma vida no ventre, essa vida nascer… Depois vem o desafio de criar, educar, preparar, formar esse ser… Aí, tem as mães de coração, que não geram a vida, porém cuidam, zelam, ensinam, educam, com tanta maestria, tanto amor; às vezes mais até do que aquelas que geram vidas. Há mãe que gera vida e não consegue ser mãe, não consegue dar amor, não consegue fazer a maternagem… Existem mães que abandonam, as que deixam com outras pessoas, as que não abandonam nem deixam, mas simplesmente não participam da vida dos filhos… Sejam quais forem os motivos, sempre há alguém que acaba exercendo esse papel… Por outro lado, tem mãe que é tão mãe que acaba sendo mãe de todos ao redor, é tão maternal que cuida de todo mundo… Vira mãe do marido, mãe dos amigos, vira mãe de todo mundo no trabalho… Existe essa mulher também, supermãe em todos os sentidos.

Você acha complexo isso, de existir muitas formas de exercer a maternagem?
Na verdade, o problema é quando não existe a mãe. Uma criança que não teve a mãe, sempre terá um vazio na vida dela. Nem toda criança adotada ou criada por outra pessoa aceita bem esse fato. Também há aquela fase da vida em que, às vezes, sendo adultos viramos pais dos nossos pais, precisamos cuidar deles e participar dessa transição é doloroso também… Há ainda o momento em que deixamos de ter a mãe em nossas vidas. É algo que deixa uma saudade, em especial para quem teve a mãe presente, para quem teve aquele processo do cuidar, do ser cuidado, do ser protegido, ensinado, mesmo com castigo, cobrança… Fica aquele vazio, porque tinha um hábito de vida: de ligar, de conversar, almoço de domingo, ou reuniões em famílias em datas específicas… Sempre haverá lembranças, situações que vão tocar e cadê a pessoa? Acontece algo na vida e a gente queria falar e a pessoa não está mais ali…


Como lidar com essa ausência da mãe?
Cada um lida de uma forma, não há uma regra, porque há todo um processo do luto no qual a gente acaba adotando outras mães. Às vezes, as pessoas que têm ótimas relações com sogra, com tios, amigos, familiares de amigos, e vão surgindo as mães de coração na nossa vida. Mas há quem não consiga fazer isso… Assim, essa forma de lidar com a ausência da mãe é muito pessoal, se desloca esse papel para outra pessoa… e a criança quando não tem a mãe presente na vida dela por algum motivo, também vai buscar isso em outros adultos. Essa carência vai ficar, isso vai latejar dentro dela e virá de outras maneiras, às vezes em comportamentos agressivos ou de dependência emocional. O papel da mãe em nossa vida é muito importante em todos os sentidos, desde os cuidados que recebemos aos ensinamentos, a forma que elas nos ensinam a viver.

Como você definiria o “ser mãe”?

Ah, isso eu vou responder como mãe, não como profissional… Ser mãe é um mix de emoções…Só entendi o que era ser mãe depois que eu me tornei mãe, porque até então eu julgava minha mãe… Eu entendi o que é viver um amor que é maior que tudo… Quando a criança chora de dor você quase chora junto, tanto por não saber o que fazer, mas também porque quer tirar aquela dor dela. Desde a gestação é como se a partir dali você precisasse ser uma pessoa muito melhor do que é, porque você vai ser mãe… Você vai ser aquela que educa, que vai ser o exemplo, o modelo… Acho que me tornei um ser humano muito melhor, depois que me tornei mãe… Passei a enxergar melhor o outro, trocar carinho… O processo do gestar é muito rico, cada movimento que o bebê faz… Não tem aquilo do peso, sabe, você sente o bebê, mas é uma coisa tão mágica, o mexer é parte de você… Você tem uma companhia 24 horas por dia que é parte de você… Então, essa experiência foi muito linda e abençoada… O nascimento, olhar quando nasce, aquele rostinho, aquele corpo, ver que está tudo ali tão mágico, tão perfeito… Cada fase do desenvolvimento, uma emoção inenarrável… O sorriso, a troca de olhares… Você imagina como vai ser a voz e quando você escuta a voz pela primeira vez é muita emoção… Tudo é emocionante! A emoção de cada arte que eles fazem… ver que a casa nunca mais ficou arrumada… Coisas foram quebradas… broncas… mas também tanta alegria! A vida fica cheia de alegria, de sentido, muda o ritmo… E eu sempre tive minha dedicação no processo de ser mãe desde que eles eram pequenos e mesmo quando foram para a escola, o período em que eles estavam em casa, eu era mãe… Até o meu caçula completar 8 anos eu só trabalhava meio período para me dedicar a isso… Eu gostava, sentia prazer em levar na natação, no ballet, buscar, fazia piquenique, brincava no sítio, tudo isso foi muito rico… uma experiência incrível… Mas eu sempre também eduquei de uma forma a por limites: isso pode, isso não pode, dava broncas, chamava atenção, tinha sim rotina, estudava junto… Todas essas etapas foram um preparo para a vida… Hoje eles estão adultos e são muito independentes de mim e eu olho e falo: nossa, deu certo, valeu a pena cada dedicação, cada momento junto, cada noite que não deu para dormir direito, cada festinha de aniversário, os amigos em casa… Tudo valeu muito a pena… pelas pessoas que são e tudo que eu vejo eles conquistarem na vida… Então, faltam palavras para expressar… Ser mãe é realmente uma alegria, é a continuidade da vida e é algo que a lógica não explica.