O socorrense Lázaro Aurélio Padilha Junior* de 40 anos, é físico e PhD em Ciências, trabalha na Unicamp e recentemente foi citado na lista da PLOS “Public Library of Science” (Biblioteca Pública de Ciência), uma organização Norte Americana, que listou os nomes mais influentes de cientistas em suas áreas de atuação. Em entrevista, ele nos conta sobre seu trabalho e a honra de representar nossa cidade e o Brasil no campo da pesquisa científica. Acompanhe:
Como é o seu trabalho?
De forma mais simples, uso lasers para investigar propriedades ópticas e eletrônicas de nanomateriais semicondutores (nanomateriais são aqueles cujo tamanho são cerca de 10.000 vezes menores que a espessura de um fio de cabelo). Esses materiais são importantes para novas descobertas científicas e também para o desenvolvimento de novas tecnologias (um exemplo prático do uso desses materiais é na tela das novas TVs com tecnologia Q-LED).
De 2004 até 2013 fiz minha pesquisa em instituições norte-americanas. Neste período, trabalhei em universidades na Flórida e no Colorado e também em um centro de pesquisa no estado do Novo México. Este centro de pesquisa do governo norte-americano, chamado Los Alamos National Laboratory, é conhecido pelo Projeto Manhattan, que foi quando as bombas atômicas “Little Boy” e “Fat Man” (que foram lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki) foram desenvolvidas e fabricadas. Finalmente, em 2013, retornei ao Brasil para me tornar Professor do Instituto de Física e liderar o grupo de Espectroscopia Ultra-rápida. Permaneço neste posto até o momento.
Como seu nome chegou a ser indicado na lista?
A lista foi produzida por uma organização Norte Americana, conhecida por PLOS “Public Library of Science” (Biblioteca Pública de Ciência). Esta lista leva em consideração a importância das contribuições feitas pelo cientista dentro de sua área de pesquisa. A importância é medida, neste caso, pelo número de outros cientistas que usam o seu trabalho como base para os trabalhos deles. E isso, por sua vez, é medido por número de citações, ou seja, quantas vezes algum outro pesquisador mencionou o seu trabalho (artigo científico, tese ou outra produção científica) em algum trabalho publicado por ele.
Tomando todos os cientistas indexados (aqueles que publicam trabalhos em revistas científicas que são acreditadas por instituições), eles selecionaram o top 1% dos cientistas que mais influenciam o desenvolvimento da ciência dentro de cada área (aqueles cujos trabalhos servem como base para os trabalhos de outros pesquisadores). Geralmente, na minha área, essa lista é povoada por pesquisadores mais experientes, que estão já próximos aos 60 anos. Fiquei honrado de ter meu nome citado nesta lista, mesmo sendo ainda um “jovem cientista” (na ciência somos considerados jovens até uns 45 anos), e também por fazer minha pesquisa no Brasil, um país que não investe como deveria em pesquisa e educação.
Quais os desafios da profissão?
O maior desafio da profissão de “cientista”, é também aquilo que mais me atrai nela, é lidar todo dia com o novo, com aquilo que ninguém mais conhece, e com o inesperado. Muitas das descobertas importantes da ciência foram “por acaso”, quando o pesquisador buscava uma resposta e encontrou outra, mais surpreendente e completamente inesperada. Um exemplo recente disso é a descoberta do remédio Viagra, que vinha sendo desenvolvido inicialmente como um medicamento para tratar problemas cardíacos.
Outro grande desafio é que o cientista precisa aprender a ser paciente. Muitos estudos demoram anos, até décadas, para serem finalizados. Outros, por serem de aspecto fundamental, básico, podem demorar décadas para que sejam úteis para a sociedade (um ótimo exemplo disso é Albert Einstein. O físico alemão demonstrou teoricamente um fenômeno conhecido como Amplificação de Luz em 1916. Aquilo que parecia coisa sem muita utilidade, é a base de funcionamento dos lasers que hoje está por todas as partes. Note que o laser só foi descoberto em 1960, 44 anos após o trabalho de Einstein e 5 anos após sua morte).
Por fim, um último desafio da profissão, é um desafio que vem crescendo nos últimos anos, que são os ataques à ciência por parte de alguns governos. Todo o desenvolvimento da sociedade em que vivemos hoje se dá graças à ciência. É devido à ciência e aos cientistas, que nossa expectativa de vida aumentou, que temos smartphones, que viajamos de avião (e de carro), e infinitas outras benesses das quais a sociedade goza. No entanto, a ciência é também muito dura; pois ela, quando feita de forma correta, é verdadeira. E, muitas vezes, as verdades que a ciência nos mostra são ruins, pesadas e vão contra o desejo das pessoas. Nem sempre a resposta que a ciência nos oferece é acalentadora e fácil de aceitar, mas é a verdade. E quando esta verdade vem de encontro com interesses maiores, como aqueles de governantes, a solução é atacar a ciência, apresentá-la à população como um “inimigo” desacreditado, criando uma massa de manobra que não acredita em evidências.
Em 2002, quando eu iniciei meu Doutorado, não imaginava que em 2020, iria me deparar com pessoas que acreditam que suas crianças não devem ser vacinadas (veja a volta do Sarampo que tivemos em 2019), pois vacinas causariam alguma outra doença, que as mudanças climáticas são uma invenção e até mesmo que o Planeta Terra é plano. Ou seja, não imaginava que em pleno Século XXI, o negacionismo científico seria tão grande.
O exemplo mais óbvio desse negacionismo científico está na crise sanitária que estamos vivendo. O negacionismo foi desde a gravidade do problema até os métodos para tentar conter, e agora, com a vacina.
Qual sua expectativa para 2021?
Para 2021, minha expectativa é que as coisas melhorem muito. Graças ao advento das vacinas, poderemos voltar às nossas vidas “normais”. Tenho esperança de que os momentos difíceis vividos por todos em 2020 sirvam de alicerce para uma sociedade mais solidária e mais confiante na ciência. Hoje, creio que a maior atuação da ciência está em criar soluções para o contínuo desenvolvimento humano, com responsabilidade com o meio ambiente e de forma sustentável. E 2020 trouxe à tona muito deste debate, podendo ser um divisor de águas.
Trago sempre comigo uma frase dita uma vez pelo prof. Odair Corsi. Certa vez, ao final de uma aula ele me disse “Padilha, a ciência formou a Terra, a ciência está acabando com a Terra, e só a ciência pode salvar a Terra!”.
* Lázaro Aurélio Padilha Junior, 40 anos, Físico, nascido em Socorro. Aqui, estudou até os 17 anos (na Escola Benedicta Geralda e no Narciso Pieroni). É formado em Física e PhD em Ciências, ambos pela Unicamp. Desde 2002 atua na área de pesquisa que envolve lasers e nanociência, mesmo ano em que ingressou no doutorado.