Descendo a estrada da morte

No mês de julho, Thiago Henrique de Moraes Franco embarcou rumo a Bolívia e Peru para experienciar a cultura e história dos
povos Incas e aproveitou para escalar na Cordilheira dos Andes. A aventura, ele relatou para o Jornal O Município, confira!

A viagem teve início na capital boliviana La Paz, 3500m do nível do mar, onde iniciei a aclimatação, processo no qual um montanhista se expõe a altitude gradativamente para que o corpo acostume com a menor concentração de oxigênio e densidade do ar. Nesta fase, é de extrema importância hidratar-se muito bem e estar sempre atento aos sintomas do corpo, é comum sentir dor de cabeça, falta de ar e enjoo nos primeiros dias e só seguimos para altitudes maiores se estes sintomas não se agravarem. Em casos mais graves os efeitos da altitude podem evoluir para um edema cerebral e/ ou enfisema pulmonar.

Fiquei dois dias conhecendo La Paz, a mais alta capital do mundo, aprendendo sobre toda a riqueza cultural e histórica da cidade. Destacam-se as feiras populares, a comida, o mercado das bruxas, as cholitas, mulheres com traje típico inca e as novas amizades de todo canto do mundo que se faz nos hostels.

No terceiro dia, partimos de bicicleta pela temida Estrada da Morte, uma descida radical de 46km que iniciou nos Andes à 4700m com temperatura de -3°C e terminou em meio a floresta amazônica boliviana à 1500m e mais de 30°C. Nos dias seguintes, fui para o Salar de Uyuni, o maior deserto de sal do mundo, um passeio incrível com paisagens de tirar o fôlego onde pudemos, inclusive, dormir em um hotel construído inteiramente de sal. Aproveitei para melhorar ainda mais minha aclimatação já que nos 3 dias, ficamos em uma altitude de 4 a 5 mil metros.

No 7° dia de viagem, já me sentindo melhor na casa dos 5 mil metros, teve início o maior desafio da viagem, escalar o Huayna Potosi (6088). Nosso grupo era composto por um guia boliviano, duas israelenses e eu. No primeiro dia, chegamos até o campo base a 4700m de carro, vestimos nossos equipamentos de neve e de lá partimos até um glaciar próximo para treinar técnicas
de deslocamento e resgate em gelo. No fim da tarde retornamos para descansar no abrigo de montanha que lá existe. A partir desta altitude, embora não estivesse sofrendo com os efeitos da altitude (soroche), tive muita dificuldade para dormir, acordava a cada 1 ou 2 horas assustado e agitado.

Salar de Uyuni

O segundo dia na montanha foi um deslocamento do acampamento base para o acampamento avançado à 5300m, chegando lá por volta de 17 horas, tomamos um chá e deitamos; afinal, deveríamos acordar meia noite para ir ao cume, tentei dormir, mas não consegui. No terceiro dia, após um chá, começamos caminhar sobre o gelo, a 1 hora da manhã. Caminha-se a noite, pois neste horário o gelo está mais firme, diminuído os riscos de avalanche e também evitando que o reflexo do sol na neve queime a retina dos olhos. Quando chegamos por volta dos 5600m, comecei a me sentir muito fraco e a caminhada tornou-se difícil, andava 5 passos e precisava parar para respirar. Foi uma subida difícil e, felizmente, às 7:40 da manhã chegamos no cume.

Minha primeira alta montanha! Queria muito comemorar, mas tudo o que consegui fazer foi ficar sentado contemplando o sol que a pouco tinha nascido, a temperatura beirava -7°C . A maior parte das mortes em montanhas de altitude acontece na descida, isso porque o montanhista dá tudo para chegar ao cume, mas o cume é apenas metade do caminho, muitas vezes eles acabam falecendo por exaustão na descida. Estava longe dessa situação, mas confesso que sofri de mais para retornar, chegando à base da montanha às 16horas.

Foram 13 horas caminhando, um mega desafio físico e mental. Levei um tempo para digerir toda essa experiência, mas é
incrível como você pode ser muito mais forte do que acredita quando se expõe a esse tipo de situação. Retornamos para
La Paz e lá fomos comemorar o sucesso da expedição.

Segui no dia seguinte para o Peru, passando rapidamente por Puno e Copacabana, cidades a beira do Lago Titicaca, o
mais alto lago navegável do mundo. Já em Cusco, me juntei a um grupo de estrangeiros de várias nacionalidades e
fomos conhecer toda a cidade. Com a colonização espanhola, muito foi derrubado, mas os alicerces resistiram e os espanhóis utilizaram essa base para erguer suas igrejas e edificações.

Machu Picchu

Conhecemos o Vale Sagrado e também Machu Picchu, ver tamanha grandiosidade arquitetônica em uma região de tão
difícil acesso é algo surpreendente. Depois de Machu Picchu parti para o último destino da viagem, a cidade de
Huaraz, no norte do Peru. Lá iria escalar minha segunda alta montanha, mas antes precisei novamente iniciar o segundo
processo de aclimatação, mas desta vez um pouco mais rápido, apenas fazendo dois dias de trilha, o primeiro até a
Laguna 69 à 4600m e depois o Glaciar Pastoruri, à 5100m.

Aclimatação feita, partimos em busca do cume do Nevado Vallunaraju (5686m). Partimos da cidade de Huaraz pela manhã em 9 pessoas. Foram cerca de 3 horas e meia chacoalhando dentro da van em uma estrada bastante esburacada até o início da trilha a 4mil metros.

Começamos a caminhada e depois de aproximadamente 4 horas chegamos ao Campo Morena, nosso acampamento à 4900m.
Lá chegando, Marcos, o cozinheiro da expedição, buscou gelo para derreter. É assim que se tem água para beber e cozinhar na montanha. Montamos a barraca e, depois da janta, aproveitamos o céu com muitas estrelas e nos divertimos fazendo fotografias noturnas. Deitamos para dormir e como na primeira montanha, acordamos no início da madrugada e começamos às 2 da manhã a caminhar em direção ao cume, sempre ancorados uns aos outros por segurança.

Agora mais acostumado com a altitude sofri menos e consegui curtir mais a caminhada, também fiz mais vídeos e fotos até o momento em que tanto minha câmera dslr como minha gopro congelaram, restando apenas o celular que ficou dentro do casaco de pluma. Chegamos no cume às 7 da manhã, com um vento forte e cortante de tão gelado. Nos abraçamos e pouco depois começamos a descida. No dia seguinte, comecei a saga de retornar ao Brasil, chegando no dia 30 de julho após 23 dias de viagem. Dias incríveis conhecendo culturas, pessoas e vivenciando experiências que, com certeza, irei guardar pelo resto da vida.

Caso queiram alguma dica desta viagem, podem me chamar no meu perfil do Instagram @por_onde_anda_thiago.