A morte. Quem já não sofreu ou não soube como lidar com a perda de alguém próximo? Em entrevista ao Jornal O Município, a psicóloga Tatiana Niero Miranda Felizardo explica como o luto nos coloca em adaptação a uma nova realidade pela vida. Confira:
Qual a importância de uma pessoa viver o luto pela perda de alguém querido?
De maneira geral, lidar com os acontecimentos da vida é fundamental. A morte, o processo de luto e suas implicações são acontecimentos que fazem parte da nossa história e por isso não devem ser tratados com menos importância, mesmo que se trate de um acontecimento doloroso ou que traga sofrimento para quem esteja atravessando essa fase. Por mais “natural” que possa parecer essa fase (já que sabemos que a morte é uma certeza), muito pouco se fala sobre ela e acredito que isso contribua para que a maioria das pessoas tente afastar ou bloquear os sentimentos nela envolvidos.
Sem dúvida, a tristeza presente no luto, por si só já gera intenção de afasta-lo das nossas conversas, mas com isso colaboramos para criar um contexto de bloqueio ou pouco engajamento, estendendo muitas vezes o sofrimento. Quando nos permitimos sentir, vivenciar e entender as etapas do que estamos experimentando (nesse caso o luto) damos espaço para descobrir saídas ou soluções, por vezes, enriquecedoras. Portanto, vivenciar o luto é um processo necessário e natural, para que possamos nos adaptar a nova realidade que se apresenta depois da perda.
Algumas teorias asseguram que o luto possui fases. Quais são elas?
Estudos apontam 5 estágios que descrevem as fases do luto. São eles: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Embora o luto seja mais complexo e não se apresente assim de maneira tão ordenada, essas etapas nos ajudam a compreender ao que a pessoa enlutada está respondendo. É curioso citar que essas fases não foram logo atribuídas às pessoas enlutadas. Elas foram estudadas em pacientes em fase terminal, para descreverem o processo que estavam passando/sentindo. Mas esse estudo ganhou espaço também para ajudar a reconhecer e descrever estágios no processo de luto e hoje ajuda no trabalho de profissionais e grupos de apoio.
No processo de luto, o que ajuda a superar a dor?
Eu chamo de superação quando ressignificamos nossos papéis a partir daquela perda. Tudo precisará ser repensado. Elaboramos o luto quando confrontamos todos os aspectos da nossa vida que foram abalados pela perda. Por exemplo: uma pessoa que perdeu seu cônjuge, o qual era mais presente na vida dos filhos. Talvez passará a entender melhor sobre a rotina das crianças, aprenderá a organizar tarefas com elas, repensará formas de viver a partir daquela perda.
Toda essa ressignificação, mesmo carregada de emoções doloridas, colabora para uma nova maneira de agir. Nesse caso, o processo de luto é uma oportunidade para transformar algumas práticas.
Olhar para a forma antiga que se tinha e analisar uma nova forma para continuar depois da perda é ressignificar. A cada análise feita, novas emoções são vividas. Essa ressignificação ajuda no processo de elaboração do luto. Cada um ao seu tempo, mas se ajustando a mudança depois da perda.
A dor no processo de luto é frequente, mas não é uma regra. Existem processos em que a tristeza se mistura com outras emoções, por exemplo alívio (no caso de uma pessoa que vinha sofrendo com uma doença), raiva (quando a morte é sentida como injusta) ou aceitação (quando a morte tem causa natural).
O processo de luto pode trazer a impressão de se tratar apenas de sofrimento. Sim, ele carrega muita tristeza, mas dentro desse processo, durante a evolução dele, é possível se deparar com sentimentos positivos. Existe o que chamamos de luto criativo. Como o luto nos coloca em adaptação a nova realidade, somos desafiados a ter outra forma de olhar a nossa própria vida, dar atenção ao que queremos fazer com esse espaço que ficou vazio, que era ocupado por aquela pessoa que se foi. Esse é o lado bom, quando a perda ilumina outras oportunidades para nossa vida.
Falta uma educação para lidar com a morte, uma vez que ela faz parte da vida?
O desconhecido, em geral, assusta. Por isso falar sobre morte traz medo, incertezas, pode gerar ansiedade. Buscamos respostas que muitas vezes não encontramos. E tudo isso somado a dor e sofrimento pela perda. Veja que o pacote é completo para causar desconforto. É muito difícil se ajustar a morte sem entrar em contato com os sentimentos que ela desperta. E como via de regra são sentimentos pouco desejados, acabamos nos afastando e conhecendo menos sobre o assunto e sobre nós mesmos. Porém é possível encontrar algumas oportunidades de reflexão que através da perda de alguém querido, acabamos tendo a oportunidade de vivenciar: emoções variadas, autoconhecimento, capacidade de se adaptar a uma nova realidade, enfim, oportunidade de realmente compreender que a morte é natural a nós, como parte da nossa evolução (nascer, crescer, se desenvolver e morrer). É difícil trazer esse assunto para rodas de conversa, mas quanto mais se fala, esclarece, menos assustador ele ficará. No caso de mortes súbitas, quando a família perde alguém por conta de atos inconsequentes de outra pessoa – como em acidentes e assassinatos – o sentimento da raiva costuma ficar evidente.
Como superar isso?
Em primeiro lugar, acolha seus sentimentos. O processo de luto é complexo, envolve muitos sentimentos. Valide-os. Validar a raiva não significa se vingar. Significa dar espaço para sentir. Busque apoio, compartilhe, respeite seu tempo nesse processo. E não impeça de se envolver no seu processo de luto. Quanto melhor ele for elaborado, mais naturalmente você poderá se ajustar e se adaptar a nova realidade e alcançar a etapa final desse longo e desgastante processo: a aceitação. Nesse caso a aceitação se refere a morte, a perda e não a forma como ela aconteceu. E essa é uma grande virtude dessa etapa, se libertar dos sentimentos ligados ao como isso aconteceu e passar a lidar com o que essa perda te trouxe.
E o enterro? É necessário passar por esse ritual?
Considerando que o ritual do velório, enterro ou cremação auxiliam nas etapas do processo de luto a resposta é sim. Tais rituais favorecem o processo de concretização da perda e aceitação. Já é sabido que um processo de luto mal elaborado traz complicações para quem fica. Portanto, impedir que enlutados participem dos rituais pode tornar esse processo mais dolorido e prolongado.
De maneira geral, os rituais são uma maneira de ajudar a cuidar de quem ficou. É nessa hora que os amigos e familiares se reúnem com um mesmo propósito: o da despedida. Compartilham a dor, a tristeza, acolhem, relembram momentos. De certa maneira, colaboram para assegurar laços acolhedores e de cuidado para quem ficou. É um grande e potente estímulo para o enlutado passar pelo processo de luto de forma saudável.
O que fazer com objetos que lembram a pessoa que se foi? É saudável mantê-los próximos?
É saudável no sentido de concretizar que a perda de fato aconteceu e é irreversível e quando tais objetos auxiliam nessa concepção e trazem boas lembranças, se referem à memórias amorosas. Não há nada melhor para proteger a saúde mental do que saber que fomos amados e amamos. E objetos com essa simbologia podem despertar esse sentimento, do amor recíproco.
O que fazer quando a pessoa definitivamente não consegue superar a perda?
Como dito, o luto é uma necessidade de adaptação e ajuste mediante uma perda. Pode acontecer que dependendo da área onde esse ajuste vá acontecer, exista maior dificuldade de aceitação. Vários podem ser os motivos que levam esse processo a se tornar mais complicado: outros processos de luto mal elaborados por exemplo, ou experiências traumáticas ligadas ao luto, sentimento de culpa, enfim todos esses componentes podem tornar essa perda mais dolorosa e difícil. Nesses casos, a busca por ajuda profissional pode auxiliar elaboração da perda e criar estratégias para ajustar a rotina que se encontra modificada.
Algo mais?
Vale ressaltar que o luto não se restringe apenas a morte de uma pessoa querida. Passamos pelo luto também quando perdemos algo importante para nós, por exemplo o emprego, o fim de um relacionamento, até mesmo fases da vida como deixar a infância para entrar na adolescência. Todas essas situações podem depender do processo de luto para se readequarem. Por isso, se você sente que está com dificuldade para lidar com aspectos que envolvem a perda, de uma maneira geral, procure ajuda. Conhecer, compreender e trabalhar com estratégias para esse ajuste que deverá ser feito após a perda, é indispensável para sua saúde emocional e existem profissionais (além da rede de apoio acolhedora) que podem ajudar. E esse sentimento vai se transformando. A tristeza dará lugar a saudade boa.
Serviço – Em Socorro, a psicóloga Tatiana atende na Clínica Center. Mais informações e contatos pelos: (19) 3895-1020 ou WhatsApp (19) 3895-8237