21 de março é o Dia Internacional da Síndrome de Down, quando pessoas em todo o mundo participam de atividades para aumentar a conscientização pública e defender os direitos, inclusão e bem-estar das pessoas com Síndrome de Down, como o Miguelito, de quem O Município contará a história.
Miguel Artioli Coelho nasceu em Campinas, mas é todo socorrense de coração. Filho de Fabiane Artioli Coelho (37 anos, Bióloga) e João Paulo Scardua Coelho (41 anos, Analista de Sistemas), o menino nascido prematuro mostrou uma força descomunal de querer viver. Confira entrevista com a mãe:
Como foi receber o diagnóstico?
Nesse dia estávamos muito ansiosos e animados, pois faríamos o ultrassom que daria para saber o sexo do bebê. Eu sempre quis um menino e estava quase certa de que viria um Miguelzinho por aí, o que foi confirmado pelo exame. Mas, perante toda a felicidade da confirmação do sexo, veio a notícia da possibilidade da Síndrome de Down (ou Trissomia 21). A médica foi toda delicada e cuidadosa ao falar conosco, nos explicou que tinham dois fatores genéticos que poderiam indicar isso no exame: a translucência nucal alterada e a ausência do ossinho nasal. Nos disse que era um indicativo, não um diagnóstico, que precisaríamos fazer um exame específico para termos certeza. Saímos do consultório em silêncio, muito abalados e com muito medo. Tínhamos uma imagem da pessoa com Síndrome de Down bastante diferente da que temos hoje (graças ao Miguel), não tínhamos nenhum caso na família e nem sequer com amigos próximos. Optamos por fazer o exame e depois de um mês veio a confirmação da Síndrome de Down. Esse foi o momento mais difícil para nós, porque até então tínhamos a esperança de que pudéssemos ter um resultado diferente, de que toda nossa idealização de filho fosse acontecer. Foi um choque, ficamos tristes, choramos, pensamos como seria a vida do nosso filho e a nossa, como ficariam todos os nossos planos. No entanto, tínhamos a opção de nos afundarmos nesses fantasmas todos que nos assombravam ou de darmos a volta por cima e nos juntarmos nas redes de apoio. Foi a partir desse momento que meu marido e eu mergulhamos em busca de informações. Claro que fizemos uma seleção, pois muita coisa era forte demais para sabermos no momento e o objetivo era nos animarmos. Lemos muito a respeito da Síndrome de Down. Procuramos e visitamos as instituições de Campinas que fazem trabalhos lindos desde recém nascidos até a inserção das pessoas com a Síndrome de Dowm no mercado de trabalho. Entramos em contato com famílias que tinham passado pela mesma situação que a nossa. Procuramos por especialistas. E passamos a AMAR muito o nosso filho. Tivemos o total apoio dos familiares, amigos e das famílias que fomos conhecendo nessa busca de informação. Literalmente, abraçamos a causa. Lógico que tivemos alguns momentos de recaída, de muita preocupação e medo de como tudo seria. Mas sempre procurávamos voltar para o ponto que queríamos estar, que era de curtir a nossa gestação, de fornecer para nosso filho, mesmo ainda dentro de mim, muita segurança e amor. Faríamos de tudo para ele ser feliz e saudável. Faríamos viagens, ensinaríamos ele a andar de bicicleta, jogar bola, tocar piano, nadar…Enfim, seria como qualquer outra criança. E assim está sendo.
Como foram os primeiros meses de vida do Miguel?
Os primeiros dias do Miguelito foram extremamente desafiadores. Ele nasceu prematuro de apenas 30 semanas, parto normal, pesando somente 1.430g e 41cm. Foi direto para a UTI neonatal devido ao baixo peso e a dificuldade para respirar. Com apenas 7 dias de vida, contraiu uma infecção bacteriana grave, precisando ser entubado. Nesse momento, descobrimos a força descomunal de querer viver que os prematuros têm, foi assim também com o Miguelito. Ele se recuperou da infecção e aos pouquinhos foi ganhando peso. O meu primeiro dia das mães foi comemorado com ele ainda lá na UTI. Foi mais uma fase de muita dificuldade para nós. E hoje, quando lembro de tudo que passamos, só consigo acreditar que foi Deus que nos ajudou. Quanto ao Miguelito, dizemos que ele é o nosso “forçudinho”, afinal, nascer e já ir para uma aventura dessas sem a companhia da mãe e do pai, não é pra qualquer um. Após 50 dias de muita luta na UTI, ele foi finalmente para casa. O que eu mais queria nesse momento, era mostrar o céu azul para ele e deixar ele sentir o ventinho no rosto. Em casa, foi mais uma aventura. Ele era muito pequeno, molinho e tínhamos que amamentá-lo de 2 em 2 horas. Como eu tinha lido que para os bebês com Síndrome de Down era muito importante que as mães amamentassem para fortalecer a musculatura do rosto do bebê, desde quando ele nasceu, eu comecei um trabalho intenso, com ajuda do banco de leite da Maternidade de Campinas, para que o Miguel pudesse, mesmo na UTI, se alimentar do meu leite e depois, em casa, que eu pudesse amamentá-lo. Inicialmente, não tivemos sucesso, ele era muito pequeno e não conseguia sugar, então eu tirava o meu leite e dava para ele na mamadeira. Com muita paciência, persistência e total apoio do papai do Miguelito, quando ele estava com 4 meses eu consegui finalmente começar a amamentá-lo exclusivamente no peito. Todo esforço e apoio nesse momento foram cruciais para que esse meu desejo se realizasse. As primeiras semanas dele em casa foram bastante cansativas, pois foi necessário levá-lo para várias consultas médicas e fazer vários exames, todos necessários devido à Síndrome de Down e a prematuridade dele. Com 3 meses de vida, iniciamos a estimulação precoce com a fisioterapeuta, essencial para que os bebês com a Trissomia 21 alcancem os importantes marcos do desenvolvimento motor. Para eles, devido à hipotonia muscular, é muito mais desafiador conseguirem rolar, sustentar a cabeça, sentar, engatinhar, andar e falar. E por volta dos 5 meses, começamos as sessões de fono e terapia ocupacional. Aos pouquinhos, já estávamos numa rotina e tudo ficando cada vez melhor.
Hoje, quantos anos tem o Miguel? Fale sobre a rotina dele.
O Miguelito fará 4 anos no próximo dia 28. Brinco que a rotina dele é de gente grande, agenda cheia. Por um bom tempo ele fez duas sessões de fisioterapia, duas de fono, duas de terapia ocupacional e uma de musicoterapia, por semana. Pouco antes de completar 3 anos colocamos na escola e diminuímos apenas duas sessões de terapia das quais ele fazia. Foi então que a pandemia chegou e tivemos que parar com a escola e com as terapias. Esse período, por um lado, foi ótimo para nós, pois percebemos que o Miguel estava bastante cansado, o que fez a gente repensar sobre os benefícios de muitas terapias. Atualmente, no período da manhã, ele faz as terapias, que diminuímos para uma sessão por semana de cada especialidade, e, na parte da tarde, ele vai para a escola.
Na sua opinião, ainda existe muita falta de informação sobre a Síndrome de Down?
Com certeza existe. Posso falar isso com base em mim e no meu marido, pois quando recebemos a notícia do Miguel, grande parte do nosso medo e preocupação existiam por falta de informação ou de informações equivocadas, muitas vezes preconceituosas, que alimentavam nossos preconceitos. Quando a gente passa a se interessar e a viver um pouco desse mundo da pessoa com Síndrome de Down ou com deficiência, percebemos essa falta de informação com mais facilidade não só com amigos e familiares, mas também com muitos profissionais da área da saúde e da sociedade como um todo. Diferente do que aconteceu conosco, que soubemos da Síndrome de Down na gestação, a maioria dos casais descobre no momento do parto e os relatos das mães sobre como a notícia é dada, é chocante. Infelizmente, na maioria das vezes, procuramos por informações apenas quando necessitamos delas, mas, se eu soubesse o quanto essas informações transformariam minhas opiniões, minhas visões, o quanto elas me transformariam enquanto ser humano e o quanto isso ajudaria as pessoas com Síndrome de Down e com deficiência em geral, eu teria ido em busca delas muito antes, independentemente da condição do Miguelito.
Gostaria de deixar alguma mensagem ou conselho aos pais e as pessoas em geral?
O que passamos muito a querer após a vinda do Miguelito e após esse “mergulho” no mundo da pessoa com deficiência, é o fim do preconceito, dos estereótipos, é o respeito pleno, a verdadeira inclusão e o devido reconhecimento da pessoa com deficiência no esporte, no cinema, na ciência, na política etc. É o desejo de cidades mais acessíveis, escolas realmente inclusivas, fornecimento gratuito e de qualidade das terapias essenciais para o desenvolvimento, desde o nascimento até a vida adulta (a maioria não tem condições de pagar por essas terapias). O caminho é longo, mas já tivemos avanços e vamos continuar tendo. O apelo é para que as pessoas se aproximem desse mundo das pessoas com deficiência, só assim poderemos mudar nossos olhares, conceitos e fazer o preconceito ir embora. Aos pais, saibam que crianças não nascem preconceituosas, o convívio em escolas com crianças com deficiência é o que há de mais valioso na formação de um ser humano. Para os pais de pessoas com deficiência, “estamos juntos”, juntos com mais um monte de gente que se conscientiza cada vez mais e se junta nessa luta conosco pelo fim do preconceito, pela igualdade, pela dignidade da pessoa com deficiência. Se bater um medo, se estiver “pesado” demais (pois muitas vezes de fato é), peça ajuda, converse, há diversas redes de apoio “bacanas” para nos ajudar a seguirmos firmes. E, por fim, estejam presentes na vida de seus filhos, pois é disso que eles mais precisam.
Como surgiu a ideia de criar o Instagram e qual o tipo de conteúdo que compartilha?
O Instagram @vaipromundomiguelito (Vai Pro Mundo Miguelito) surgiu da vontade de compartilhar as sapequices, evoluções, travessuras e o dia a dia do Miguelito. Eu fui muito ajudada na minha gestação e nos primeiros meses de vida do Miguel, na verdade, ainda sou, por meio das redes sociais. Me lembro da página que se chamava “21 motivos para sorrir” que eu acompanhava antes mesmo do nascimento do Miguel e que também compartilhava o dia a dia de um “molequinho” com Síndrome de Down cheio de energia. Eu via aquelas fotos dele brincando, andando de bicicleta e eu pensava que com o Miguelito seria igual. O perfil no Instagram do Miguel tem esse objetivo de mostrar que antes da Síndrome de Down, vem o Miguelito, uma criança que como todas as outras possui suas individualidades, qualidades e potencialidades a serem desenvolvidas. Cada ser, independente da condição, é único. Além disso, também divulgamos na página informações sobre a Síndrome de Down, inclusão e deficiência. Especialmente nesse mês, em que se comemora o Dia Internacional da Síndrome de Down, fiz várias postagens informativas, todas elas descobertas após a vinda do Miguelito. É uma forma também de desmitificarmos que crianças como o Miguel são anjos na Terra, que eles são muito carinhosos, que são especiais, que possuem o cromossomo do amor, que são iluminados, que são eternas crianças, enfim, ouvimos isso de familiares, amigos, conhecidos e sabemos que é na maior das boas intenções, mas, esses estereótipos atrapalham demais a identidade dessas pessoas, prejudicam a autoestima, a autonomia, a segurança e elas passam a serem tratadas diferentes devido a esses rótulos. Ouvimos muito também que fomos escolhidos por Deus para sermos pais do Miguelito. Minha compreensão hoje para isso é que Deus não escolhe quem terá um filho com deficiência, isso ocorre ao acaso, mas Deus nos capacita para sermos melhores mães e pais se estivermos com a mente e o coração abertos e atentos para isso. São aprendizados que adquirimos graças ao Miguel em nossas vidas. Por isso nossa gratidão a ele é imensa.
Acompanhe o dia a dia-a-dia da família no Instagram @vaipromundomiguelito