O reconhecimento da filiação socioafetiva trouxe grandes avanços no Direito de Família, amparando aqueles que não se vinculam à figura familiar com base apenas na consanguinidade. A socioatividade reconhece legalmente o parentesco a partir dos vínculos sociais e afetivos.

A advogada Letícia Favero é especialista no assunto e responde algumas perguntas sobre este tipo de processo.

O que é filiação socioafetiva? Quais os tipos segundo a lei?

Filiação socioafetiva é o reconhecimento jurídico da maternidade e/ou paternidade com base no afeto, sem que haja vínculo de sangue entre as pessoas; ou seja, quando um homem e/ou uma mulher cria um filho como seu, mesmo não sendo o pai ou mãe biológicos. É possível reconhecer essa filiação judicial ou extrajudicialmente.

A filiação socioafetiva ainda não consta expressamente em uma lei, mas podemos reconhecê-la graças aos artigos 1.593 e 1.605, inciso II, ambos do Código Civil, que determinam respectivamente: o reconhecimento do parentesco por outra origem; e a prova da filiação quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos.

O procedimento de reconhecimento de filiação socioafetiva extrajudicial é regulado pelo Provimento n° 63, alterado recentemente pelo Provimento n° 83, ambos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Qual a diferença da adoção?

Nos processos de adoção, principalmente na adoção unilateral, também é necessário o reconhecimento de filiação socioafetiva, mas veja a diferença nas seguintes situações:

Situação A – Em um processo judicial de adoção unilateral o pai socioafetivo pretende reconhecer a filha da sua atual companheira como sendo sua filha. Nesse processo, se procedente, o pai biológico será destituído do seu poder familiar. Haverá uma substituição do pai biológico com o pai socioafetivo.

Situação B – Em processo extrajudicial de reconhecimento de filiação socioafetiva – preenchidos os requisitos e, principalmente, havendo concordância de ambos os genitores biológicos (ou se um deles for falecido, apenas o consentimento do outro), o pai socioafetivo poderá reconhecer a filha da companheira como sendo sua filha e na certidão de nascimento dessa mulher, constará uma mãe (biológica) e dois pais (um biológico e um socioafetivo). Essa concomitância de filiações é chamada de multiparentalidade, que também pode ser reconhecida judicialmente.

Quais são os principais direitos de pais e filhos em uma filiação socioafetiva?

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.596, estabelece que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, ou seja, este artigo dispõe sobre a igualdade entre os filhos de origem biológica e não biológica que possuem os mesmos direitos e qualificações.

Logo, os pais e filhos socioafetivos possuem os mesmos direitos que os pais e filhos biológicos, inclusive na hipótese da multiparentalidade.

Quem pode ser pai socioafetivo?

Qualquer pessoa que comprove o vínculo afetivo com quem pretende reconhecer a filiação socioafetiva.

Em regra, durante um processo judicial, o juiz vai analisar se existe a posse de estado de filho, composto pelos elementos: Tractatus: quando a pessoa é tratada pela família como filha ou filho; Nomen: o uso do sobrenome da família; e Fama (ou reputatio):  a reputação, a notoriedade de ser reconhecida no meio social como filha.

No procedimento extrajudicial os requisitos são os seguintes: filhos acima de 12 anos, que deverão consentir; reconhecimento exclusivamente unilateral (somente um pai e/ou uma mãe socioafetiva); necessidade de apresentação de prova do vínculo afetivo; consentimento do pai/mãe biológicos; atestado do registrador sobre a existência da afetividade; parecer favorável do Ministério Público, que equivalerá ao deferimento.

É um processo demorado?

O processo judicial pode demorar, principalmente, em razão da complexidade do caso. Já o processo extrajudicial, por depender do prévio consentimento dos pais biológicos, é mais rápido.

Assim que a justiça reconhece a relação, não existe forma de retirar o nome do documento?

Em regra, não. O reconhecimento a paternidade/maternidade socioafetiva é um ato voluntário e irreversível. Dispõe o art. 1.604 do CC/2002 que ninguém pode vindicar estado contrário ao que consta do registro de nascimento, salvo provando o erro ou a falsidade do registro.

É possível solicitar o reconhecimento de uma pessoa que já morreu?

Sim, o reconhecimento da filiação socioafetiva pode ser buscado a qualquer tempo, até mesmo após a morte dos pais. Nesse caso o procedimento será necessariamente judicial e o juiz observará as provas que evidenciem o tipo de relação existente.

Algo mais?

Sim, é muito importante que a população enxergue o reconhecimento da filiação socioafetiva extrajudicial e a multiparentalidade como alternativas à adoção unilateral, quando já há um pai e uma mãe registrados na certidão de nascimento. Eles são mecanismos pacíficos e menos nocivos aos envolvidos, já que evitam o desgaste de uma destituição de  poder familiar.